Os recentes acontecimentos na Ucrânia
marcaram o início de uma nova fase nas relações entre a Rússia e o Ocidente.
Dificilmente, as coisas vão acabar em conflito armado, mas a questão é por onde
passará a nova fronteira entre a nova Rússia e a Europa.
O resultado da Guerra Fria foi a desagregação
do bloco soviético. Os países da Europa Central e Oriental que haviam integrado
a Organização do Tratado de Varsóvia foram posteriormente incorporadas à UE e à
Otan - mas por algumas etapas. As antigas repúblicas soviéticas estão na fila.
Permanecem no Ocidente os temores de que o
modelo da URSS poderia um dia renascer. Isso foi declarado publicamente por
Hillary Clinton, em janeiro passado, quando deixava o cargo de Secretária de
#Estado dos EUA. A nova URSS poderia ser criada sob novas denominações, como
União aduaneira ou União Euroasiática.
Não é surpresa que Moscou pretende reavivar
os laços econômicos com as ex-repúblicas soviéticas. Porém, a Rússia faz
fronteiras com dois centros econômicos mundiais, União Europeia e #China, cujos
mercados apresentam-se em uma escala incomparavelmente maior que os russos. É
possível que Pútin até estivesse disposto a se unir a um desses gigantes
econômicos na qualidade de parceiro equitativo. Mas nenhum deles jamais fez um
convite nessas condições, e Moscou não tem intenção de se tornar um mero
apêndice, fornecedor de matéria-prima.
Foi daí que surgiu a ideia do #Espaço
Econômico Único (EEP, na sigla em russo), um mercado comum de bens, capitais,
serviços e mão de obra que a Rússia, o Cazaquistão e a Bielorrússia estão
desenvolvendo. A Armênia e o Quirguistão estão se preparando para se juntar a
essa estrutura, e os documentos para unificação deverão ficar prontos até maio.
No entanto, sem a Ucrânia, com seus 45 milhões de habitantes e indústria
desenvolvida, o EEP não terá um mercado do porte que permitiria concorrer com
os outros centros econômicos.
Os Estados Unidos e a UE, que de forma
constante foram atraindo a Ucrânia para sua esfera de influência, compreendem
isso muito bem. O final desse processo deveria ter sido o acordo de associação
com a UE, que impediria o caminho da integração com a Rússia. Mas a assinatura
prevista para o final de novembro do ano passado na Cúpula da UE, em Vilnius,
não se concretizou.
O presidente da Ucrânia, Viktor Ianukovch,
que aparentemente tinha decidido barganhar um pouco mais, adiou a assinatura na
esperança de receber um bônus da Rússia sob a forma de créditos e descontos no
preço do gás. Porém, sob pressão das manifestações da Praça Maidan, das quais
participaram aqueles que apoiavam a integração da Ucrânia à UE, Ianukovich
cedeu o poder quase sem resistência. Os #políticos que o substituíram
restauraram imediatamente o vetor ocidental do movimento da Ucrânia, colocando
Moscou diante de uma escolha crucial.
Os fantasmas sobre o renascimento da União
Soviética que assustam os políticos americanos e europeus se materializam- na
Rússia não só em forma de opressão econômica, mas também como problemas de
segurança. Após a queda da URSS, o bloco da Otan se expandiu drasticamente
pelos países da Europa Oriental e das antigas repúblicas soviéticas do Báltico,
chegando às fronteiras da Rússia. De um modo geral, a esfera de sua atuação
ultrapassou em muito os limites do Atlântico.
Os estrategistas russos nunca vão acreditar
que não existe qualquer ameaça da parte da Otan e estão ainda mais preocupados
com a perspectiva de alocação, sobre o #territórioda Ucrânia, dos sistemas de
defesa antimísseis americanos, que poderiam neutralizar por completo o principal
trunfo militar da Rússia – os mísseis baseados em terra.
Por fim, também é difícil para Moscou se
conformar com o fato de que a Ucrânia, que compunha juntamente com a Rússia a
espinha dorsal da civilização Eslavo-Ortodoxa, passará para a influência da
civilização ocidental. Considerando os contatos pessoais extremamente estreitos
entre os habitantes dos dois países, que ao longo dos últimos 350 anos
constituíram um único grupo, a saída da Ucrânia está se tornando um problema
político interno de maior proporção.
Parece-me que o Ocidente compreende ser um
fato extremamente desagradável para a Rússia e a anexação da Crimeia soa como
se estivesse prevista. Caso contrário, seria difícil de entender a reação
anêmica do Ocidente. A União Europeia abandonou as negociações com a Rússia
sobre a facilitação do regime de vistos e a preparação de um novo acordo-quadro
para cooperação. Mas já não é o primeiro ano que eles estão protelando isso.
Enquanto isso, os EUA falam sobre sanções pontuais a vistos para oficiais
russos. A cooperação militar entre os dois países foi cancelada, assim como a
visita de quatro vigilantes sanitários russos aos EUA.
Ninguém quer arcar com os custos econômicos e
fechar os canais de negociação com Moscou quando permanecem em aberto os
problemas com a Síria, Irã e Afeganistão. Mas a #Crimeia é apenas uma parcela
da crise - e uma parcela não muito grande. Não está claro, por exemplo, que
destino aguardam as regiões do leste da Ucrânia, onde também há muitos russos
étnicos que não desejam se submeter a um governo pró-ocidental. Mas é muito
mais importante entender como será o futuro desdobramento das relações entre a
Rússia e o Ocidente, que levará à formação de uma nova ordem mundial.
Fonte: Gazeta Russa
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