"O subdesenvolvimento não é, como
muitos pensam equivocadamente, insuficiência ou ausência de desenvolvimento. O
subdesenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento, uma
derivação inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que
continua se exercendo sobre diversas regiões do planeta".
Os países do Terceiro Mundo
são subdesenvolvidos, não por razões naturais - pela força das coisas - mas por
razões históricas - pela força das circunstâncias. Circunstâncias históricas
desfavoráveis, principalmente o colonialismo político e econômico que manteve
estas regiões à margem do processo da economia mundial em rápida evolução.
Na verdade, o
subdesenvolvimento não é a ausência de desenvolvimento, mas o produto de um
tipo universal de desenvolvimento mal conduzido. É a concentração abusiva de
riqueza - sobretudo neste período histórico dominado pelo neocolonialismo
capitalista que foi o fator determinante do subdesenvolvimento de uma grande
parte do mundo: as regiões dominadas sob a forma de colônias políticas diretas
ou de colônias econômicas.
O subdesenvolvimento é o
produto da má utilização dos recursos naturais e humanos realizada de forma a
não conduzir à expansão econômica e a impedir as mudanças sociais
indispensáveis ao processo da integração dos grupos humanos subdesenvolvidos
dentro de um sistema econômico integrado. Só através de uma estratégia global
do desenvolvimento, capaz de mobilizar todos os fatores de produção no
interesse da coletividade, poderão ser eliminados o subdesenvolvimento e a fome
da superfície da terra.
O maior de todos esses erros
foi considerar o processo do desenvolvimento em toda parte como semelhante ao
desenvolvimento dos países ricos do Ocidente. Uma espécie de etnocentrismo
conduziu os teóricos do desenvolvimento a assentar as suas ideais e estabelecer
os seus sistemas de pensamento em concepções de economia clássica que ignoravam
quase totalmente a realidade socioeconômica das regiões de economia ocidental
capitalista, uma economia socialista em elaboração acelerada e uma rede de
abastecimento e de venda no resto do mundo. Não se ocupavam, pois, das
estruturas econômicas desse resto do mundo, abandonado quer aos sociólogos,
quer, antes, aos folcloristas.
Esta tremenda desigualdade
social entre os povos divide economicamente o mundo em dois mundos diferentes:
o mundos dos ricos e o mundo dos pobres, o mundo dos países bem desenvolvidos e
industrializados e o mundo dos países proletários e subdesenvolvidos. Este
fosso econômico divide hoje a humanidade em dois grupos que se entendem com
dificuldade: o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da
humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que
não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem, com
receio da revolta dos que não comem.
Um dos fatores mais
constantes e efetivos das terríveis tensões sociais reinantes é o desequilíbrio
econômico do mundo, com as resultantes desigualdades sociais. Constitui um dos
maiores perigos para a paz o profundo desnível econômico que existe entre os
países economicamente bem desenvolvidos de um lado, e de outro lado os países
insuficientemente desenvolvidos. Desnível que se vem acentuando cada vez mais,
intensificando as dissensões sociais e gerando a inquietação, intranquilidade e
os conflitos políticos e ideológicos.
Ora, o problema do
subdesenvolvimento não é exclusivo destes países; é antes um problema
universal, que só pode ter soluções igualmente em escala universal. Viver na
opulência, num mundo em que 2/3 estão mergulhados na miséria, não é apenas
perigoso, é um crime. A tensão social na qual se vive hoje é, na maior parte
das vezes, o produto desta conhecida injustiça social, uma vez que os povos
dominados tomaram consciência da realidade sócio-econômica do mundo, nesta fase
da história da humanidade que vivemos, fase de transformações explosivas,
caracterizadas essencialmente por explosões diversas: a explosão psicológica
dos povos explorados, não menos perigosa do que a explosão atômica com a qual
se abriu uma nova era no nosso planeta: a era atômica.
É urgente restabelecer o
equilíbrio econômico do mundo aterrando o largo fosso que separa os países bem
desenvolvidos dos países subdesenvolvidos, sem o que é bem difícil que se
consiga a verdadeira paz e a tranquilidade entre os homens. Nenhuma tarefa
internacional se apresenta mais árdua, mas ao mesmo tempo mais promissora para
o futuro do mundo, do que a do desenvolvimento econômico destas áreas mais
atrasadas, onde os recursos naturais e os potenciais geográficos se conservam
relativamente inexplorados.
A paz depende mais do que
nunca do equilíbrio econômica do mundo. A segurança social do homem é mais
importante do que a segurança nacional baseada nas armas.
Igualmente falso é o
conceito de desenvolvimento avaliado unicamente à base da expansão da riqueza material,
do crescimento econômico. O desenvolvimento implica mudanças sociais sucessivas
e profundas, que acompanham inevitavelmente as transformações tecnológicas do
contorno natural. O conceito de desenvolvimento não é meramente quantitativo,
mas compreende os aspectos qualitativos dos grupos humanos a que concerne.
Crescer é uma coisa; desenvolver é outra. Crescer é; em linhas gerais, fácil.
Desenvolver equilibradamente, difícil.
Cada vez se pergunta com
mais insistência se desenvolver-se significa desumanizar-se, nesta frenética
busca de riqueza, de acordo com a fórmula preconizada pelo Ocidente de
maximizar os lucros em vez de maximizar as energias mentais que enriquecem com
mais rapidez a vida dos homens e podem dar-lhes muito mais felicidade.
O problema do
desenvolvimento do Terceiro Mundo, e mesmo o do mundo inteiro que ainda se
apresenta subdesenvolvido sob certos aspectos, é antes de tudo um problema de
formação de homens. Se a revolução industrial dominou o século XIX, é a
revolução cultural que deve dominar o século XX, isto é, a criação de uma
cultura capaz de encontrar verdadeiras soluções para os grandes problemas da
humanidade.
O subdesenvolvimento é uma
forma de sub educação. De sub educação, não apenas do Terceiro Mundo, mas do
mundo inteiro. Para acabar com ele, é preciso educar bem e formar o espírito
dos homens, que foi deformado por toda parte. Só um novo tipo de homens capazes
de ousar pensar, ousar refletir e de ousar passar à ação poderá realizar uma
verdadeira economia baseada no desenvolvimento humano e equilibrado.
As contradições do
desenvolvimento são múltiplas. Desenvolvimento significa ao mesmo tempo mutação
e disciplina. Mas a disciplina impede muitas vezes a mutação. É o
conservantismo das sociedades que alcançaram um auto grau de desenvolvimento,
que se tomam como modelo ideal de sociedade e passam a combater o desejo da
transformação.
Encarar aspectos isolados do
problema na luta contra o subdesenvolvimento parece-nos algo ultrapassado, pois
sabemos que as fórmulas tradicionais, as medidas isoladas e as concessões
limitadas não bastam. A gravidade do problema requer urgentemente a adoção de
uma estratégia global do desenvolvimento, comportamento e medidas convergentes
por parte dos países desenvolvidos, assim como dos países em vias de
desenvolvimento.
Só há um tipo de verdadeiro
desenvolvimento: o desenvolvimento do homem. O homem, fator de desenvolvimento,
o homem beneficiário do desenvolvimento. É o cérebro do homem a fábrica de
desenvolvimento. É a vida do homem que deve desabrochar pela utilização dos
produtos postos à sua disposição pelo desenvolvimento.
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